Em meio a um pátio, em um manicômio
qualquer deste mundo, um dos loucos que mais se parece com uma figura de médico
qualquer, tenta encontrar a definição do que é a loucura. É assim que começa a
peça Louco é Tu do Grupo Espírita de Teatro Leopoldo Machado. E é essa
tentativa de definição que abordamos um pouco aqui.
Loucura, ou melhor, transtorno mental é uma
condição muito próxima da mediunidade. Um grande livro que tenta desvendar os
nossos pecados contra a loucura se chama “A história da loucura”, de Michel
Foucault. A tese principal, baseada no fato social do louco da vila – aquele
doidinho que ainda hoje encontramos nas cidades rurais que passa por
inofensivo, conquanto que ninguém o agrida, e que aqui e acolá alguém lhe dá
guarida – é de que a Idade Média foi muito mais benévolo com os seus loucos do
que a Idade Moderna. Lá, na sociedade feudal, os loucos não eram asilados,
viviam em meio aos “normais”.
A Idade Moderna, ao contrário, inventou,
segundo o que pensa Foucault, de ver o louco como um doente e de tentar separar
aquele que perdara a razão daqueles que ainda a conservavam.
O que nos passa despercebido é que a
sociedade feudal era uma sociedade cheia de estamentos sociais, com mentalidade
de hierarquia. Havia os aristocratas senhores de grandes terras e os sucessivos
vassalos inferiores até chegar aos miseráveis plebeus. Sem contar a Grande Mãe Igreja, que ocupava
um lugar todo especial. Em outras palavras, naquele mundo, cada um tinha seu território que o impregnava e dava sua identidade perpétua. O louco da vila
era qualitativamente diferente de todos os que não eram loucos. Ainda que
perambulasse entre os demais, a possibilidade de contaminação era nula.
O que a modernidade provoca nessa estrutura
é uma ruptura profunda não só dessa mentalidade, mas da própria sociedade.
Saímos de uma sociedade estática para uma dinâmica em que as pessoas passam a
ser consideradas potencialmente iguais e, portanto, passíveis de ascender a ou
descender de níveis sociais. Freud entra nesse jogo, rompendo com a segurança
daqueles que se consideravam imunes à loucura. Quando ele revela sua teoria
sobre o quanto somos mais ou menos loucos, o quanto uma neurose pode ser um
passo para a psicose, o louco, por um lado, passa a ser temido, por outro,
passa a ser sujeito passível de cura. Os asilos, portanto, não são apenas
prisões, mas lugares em que a utopia do retorno à normalidade foi cultivada
intensamente por aqueles que os queriam de volta, isto é, os que muito o
amavam.
A tolerância que se tinha aos loucos na Idade Média não era mais que uma tolerância aparente, na medida em que reinava
a crença da sua inofensiva, porque radical, diferença. Na Idade Moderna ele é
um de nós. Ele é você, sou eu.
Essa pergunta que o personagem da peça
inicia fazendo, é a pergunta freudiana por excelência: “onde está o limiar
entre a sanidade e o equilíbrio mental?”.
Esta outra que se segue é o desnudamento perfeito de nossa
pseudo-benevolência anterior: “Onde esconder o medo brutal de cada um de nós em
deixar vir à tona o desequilíbrio que nos cerca?”. E, assim, ele vai trazendo a
plateia para uma verdade ainda muito incômoda para todos nós, em que os risos
revelam a vontade de distância que temos dessa realidade que este maluco
personagem grita: “E eles dizem que estou louco. Louco, eu? Louco é tu!”
Na próxima postagem, sigo o caminho dessa
mesma reflexão, mas avaliando o nosso comportamento diante da mediunidade. É
assustadora a semelhança!