sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Loucos tantos quanto eu


Em meio a um pátio, em um manicômio qualquer deste mundo, um dos loucos que mais se parece com uma figura de médico qualquer, tenta encontrar a definição do que é a loucura. É assim que começa a peça Louco é Tu do Grupo Espírita de Teatro Leopoldo Machado. E é essa tentativa de definição que abordamos um pouco aqui.

Loucura, ou melhor, transtorno mental é uma condição muito próxima da mediunidade. Um grande livro que tenta desvendar os nossos pecados contra a loucura se chama “A história da loucura”, de Michel Foucault. A tese principal, baseada no fato social do louco da vila – aquele doidinho que ainda hoje encontramos nas cidades rurais que passa por inofensivo, conquanto que ninguém o agrida, e que aqui e acolá alguém lhe dá guarida – é de que a Idade Média foi muito mais benévolo com os seus loucos do que a Idade Moderna. Lá, na sociedade feudal, os loucos não eram asilados, viviam em meio aos “normais”.

A Idade Moderna, ao contrário, inventou, segundo o que pensa Foucault, de ver o louco como um doente e de tentar separar aquele que perdara a razão daqueles que ainda a conservavam.

O que nos passa despercebido é que a sociedade feudal era uma sociedade cheia de estamentos sociais, com mentalidade de hierarquia. Havia os aristocratas senhores de grandes terras e os sucessivos vassalos inferiores até chegar aos miseráveis plebeus. Sem contar a Grande Mãe Igreja, que ocupava um lugar todo especial. Em outras palavras, naquele mundo, cada um tinha seu território que o impregnava e dava sua identidade perpétua. O louco da vila era qualitativamente diferente de todos os que não eram loucos. Ainda que perambulasse entre os demais, a possibilidade de contaminação era nula.

O que a modernidade provoca nessa estrutura é uma ruptura profunda não só dessa mentalidade, mas da própria sociedade. Saímos de uma sociedade estática para uma dinâmica em que as pessoas passam a ser consideradas potencialmente iguais e, portanto, passíveis de ascender a ou descender de níveis sociais. Freud entra nesse jogo, rompendo com a segurança daqueles que se consideravam imunes à loucura. Quando ele revela sua teoria sobre o quanto somos mais ou menos loucos, o quanto uma neurose pode ser um passo para a psicose, o louco, por um lado, passa a ser temido, por outro, passa a ser sujeito passível de cura. Os asilos, portanto, não são apenas prisões, mas lugares em que a utopia do retorno à normalidade foi cultivada intensamente por aqueles que os queriam de volta, isto é, os que muito o amavam. 

A tolerância que se tinha aos loucos na Idade Média não era mais que uma tolerância aparente, na medida em que reinava a crença da sua inofensiva, porque radical, diferença. Na Idade Moderna ele é um de nós. Ele é você, sou eu.

Essa pergunta que o personagem da peça inicia fazendo, é a pergunta freudiana por excelência: “onde está o limiar entre a sanidade e o equilíbrio mental?”.  Esta outra que se segue é o desnudamento perfeito de nossa pseudo-benevolência anterior: “Onde esconder o medo brutal de cada um de nós em deixar vir à tona o desequilíbrio que nos cerca?”. E, assim, ele vai trazendo a plateia para uma verdade ainda muito incômoda para todos nós, em que os risos revelam a vontade de distância que temos dessa realidade que este maluco personagem grita: “E eles dizem que estou louco. Louco, eu? Louco é tu!”


Na próxima postagem, sigo o caminho dessa mesma reflexão, mas avaliando o nosso comportamento diante da mediunidade. É assustadora a semelhança!

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